ENTREVISTA - RICARDO TREVISAN

RICARDO TREVISAN - COORDENADOR DO CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO - UEG

A4: Professor Ricardo, fale um pouco sobre sua trajetória acadêmica? Onde o senhor cursou Arquitetura e Urbanismo? E suas pós-graduações? Qual seu ramo de pesquisa?

Ricardo: Sou um nômade, em processo constante de formação! Nômade, por nos últimos 15 anos ter morado em diferentes cidades: São Carlos, Londres, Campinas, Uberlândia, Goiânia, Brasília, Paris, Veneza. E toda essa transitoriedade como conseqüência de meus estudos, de minha avidez de obter cada vez mais conhecimento.

O início da minha trajetória acadêmica ocorreu em março de 1994, quando sai de casa aos 18 anos de idade. Deixei para trás minha cidade natal, Campinas (SP), meus pais, meus amigos de colégio, minha adolescência, minha infância... para cair na vida! A causa? Ter passado no vestibular da FUVEST para o Curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), um dos campi da Universidade de São Paulo (USP) no interior do estado. Foram 5 anos de transformações e amadurecimento, conseqüências de uma ótima formação profissional, sob a conduta de grandes mestres (Jorge Caron, Agnaldo Farias, Nabil Bonduki, Hugo Segawa, Sarah Feldman, Marcelo Tramontano e muitos outros), e de uma experiência de vida única: construir novas amizades (colegas de turma); morar sozinho (trocar a resistência queimada do chuveiro); aprender a cozinhar (Miojo); viajar muito (EREA, ENEA e ELEA); descobrir o cinema (nas Sessões Maldita), a música (da clássica ao techno), a arte (vernissages com bebida gratuita); e, principalmente, ter liberdade para tomar conta da própria vida.

Confesso que até o 2º. ano fui um aluno meio relapso! A partir daquele momento, resolvi encarar os estudos de frente. Entrei para um grupo de pesquisa e desenvolvi um trabalho de iniciação científica, financiado pela FAPESP (órgão de fomento à pesquisa), com o tema “Cidades Novas no Noroeste do Estado de São Paulo”. Nascia, ali, a minha paixão por esta área do urbanismo.

Formei em dezembro de 1998. Dois meses depois, já me encontrava em Londres. De garçom em restaurante italiano, cujo dono era iraniano (coisas do mundo globalizado), à cleaner (faxineiro) em casas para alugar, foram empregos que me ajudaram a dar valor à minha real profissão. Dificuldades à parte, aproveitei este intercâmbio para vivenciar a arquitetura e o urbanismo que havia aprendido em sala de aula, assim como realizei um levantamento sobre Cidade-Jardim, visitando as cidades de Letchworth e Welwyn Garden City.

De volta ao Brasil, o material sobre Cidade-Jardim corroborou para construir um projeto de mestrado, com o título: “Incorporação do ideário da Garden City inglesa na urbanística moderna brasileira: Águas de São Pedro”. A idéia era revelar a estância hidromineral de Águas de São Pedro (1936), uma Cidade Nova no interior de São Paulo, como a 1ª. Cidade-Jardim criada no Brasil. Entrei para o Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em 2001. Foi nesse momento que aprofundei meus estudos na área de urbanismo (infraestrutura, saneamento, transportes, planejamento urbano, história do urbanismo etc.). Defendi a dissertação em outubro de 2003.

Mas, em abril daquele ano, já havia me mudado novamente. Desta vez, para Uberlândia. Motivo: fui aprovado no concurso para professor substituto para o Curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Começava, então, minha carreira como docente. Mesmo motivo pelo qual peguei minha mala e minha cuia, em março de 2004, e desembarquei aqui, em Goiás. Havia passado no último concurso para professor efetivo da UEG, para a área de Planejamento Urbano.

Desde então, salvo a estadia de um ano na Europa (Paris e Veneza) para um estágio doutorado, estou “parado” em Goiás. Além das atividades acadêmicas ligadas à UEG, em breve defendo minha tese “Cidades Novas” na FAU-UnB, sob a orientação da professora e amiga Sylvia Ficher e co-orientação de Monsieur Philippe Panerai.

Quanto ao futuro? Continuarei estudando. Perspectivas de mudança? Quem sabe, sou um filho do mundo e “deixo a vida me levar”!

A4: Como o senhor chegou ao corpo docente da UEG?

Ricardo: Como relatei, ainda como professor na Federal de Uberlândia, recebi um e-mail com o edital para professor efetivo na UEG, em fins de 2003. Resolvi prestar. Por acaso, na mesma época realizei outro concurso para a Universidade São Francisco (Itatiba, SP). Porém, as datas da prova didática de ambas coincidiam e tive que optar. A professora, que me entrevistou em Itatiba, lamentou, mas me fez escolher a UEG, por ser uma Instituição Pública, algo que propicia maior crescimento profissional (meio acadêmico) e estabilidade. Assim, vim para cá e fiz todas as etapas do concurso da UEG, ingressando para a cadeira de Planejamento Urbano ao lado da professora Márcia Santana.

A4: Como o senhor vê a formação do profissional que está entrando no mercado de trabalho atualmente? Quais desafios esse mercado apresenta?

Ricardo: Em Veneza, no Istituto Universitario di Architettura di Venizia (IUAV), ingressam cerca de 1000 novos alunos por ano. Destes, apenas 50 recebem diploma. Tal desistência, de cara assustadora, revela apenas que só se formam os alunos realmente preparados para exercer a profissão.

Ter certeza daquilo que queremos para nosso futuro é o primeiro passo para abrir as portas do mercado de trabalho. Deste modo, o mercado de trabalho começa ainda na faculdade. Gostar daquilo que faz, mostrar empenho nos estudos, saber escolher uma das inúmeras áreas da Arquitetura e Urbanismo são algumas condições para que o recém-formado conquiste seu espaço. O começo, geralmente, é difícil, como o foi para mim. Talvez muitos desistam aqui, partindo para outras oportunidades que a vida nos oferece. Para os que persistirem, como bom sonhador que sou, logo virá a recompensa.

Seja como arquiteto-projetista, como paisagista (jardinagem), como arquiteto de obras, arquiteto e urbanista de prefeituras e de outros órgãos públicos, como pesquisador acadêmico, como design de mobiliário, ou mesmo como decorador (sem preconceitos), o que o futuro profissional, arquiteto e urbanista, precisa é ter ética e princípios ao prestar seus serviços à comunidade. Seja na Casa Cor ou numa requalificação de favela, na Universidade ou no escritório, no Ministério das Cidades ou na prefeitura de Jesúpolis – GO, o futuro profissional deve ter consciência do mundo em que vive e lucidez ao trabalhar, sabendo que sua atuação irá atingir/afetar a vida de várias pessoas.

Quantos aos desafios do mercado, somos nós que os criamos e cabe a nós vencê-los! Criatividade e ousadia (com pé no chão!) podem seu uma solução.

A4: Sobre a polêmica disciplina de viagem, como está o andamento?

Ricardo: As disciplinas optativas de Viagens foram propostas no novo Projeto Pedagógico do Curso (PPC) como práticas necessárias à formação de nossos alunos. Cada cidade é vista como um laboratório de Arquitetura e Urbanismo ao ar livre. Vivenciei essa experiência em minha formação (na USP-São Carlos as viagens fazem parte do currículo, sendo: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Ouro Preto, Curitiba, Brasília, Porto Alegre etc., alguns dos destinos), e sei o quão importante ela é.

Mas, infelizmente, as estâncias superiores de nossa Universidade não entenderam desse modo. A aprovação do PPC não ocorreu justamente pela presença destas disciplinas no novo currículo e os custos que iriam gerar. Duas opções foram nos dadas: excluí-las das disciplinas optativas, transformando-as em meras atividades de campo nas disciplinas obrigatórias (teoria ou projeto), ou executar um orçamento para cada viagem e anexá-lo ao PPC. Como atividade de campo, ninguém garante que irão de fato ocorrer, e dependerá, sobretudo, da boa vontade do professor da disciplina de fazê-las acontecer. Essa proposta foi recusada pelo Colegiado do Curso. A opção adotada foi anexar orçamentos ao PPC (integral e parcial, onde a primeira cobre gastos com transporte, seguro viagem, hospedagem e alimentação de todos alunos, e a segunda cobre apenas gastos com transporte e seguro de viagem), e, com isso, garantir a permanência dessa atividade como uma disciplina optativa (obrigatória no mínimo 3 viagens para cada aluno da grade nova e aberta para alunos da grade antiga).

Vejo que o maior problema está no custei destas viagens. A UnUCET não disponibiliza de verba para custeio delas. Somente com a entrada de processos na Pró-Reitoria de Administração (montagem de um processo para cada viagem que for ocorrer, com meses de antecedência) poderá viabilizar a liberação de dinheiro para a efetivação destas visitas laboratoriais.

Últimas notícias: o PPC, devidamente alterado e complementado por orçamentos, foi enviado à Pró-Reitoria de Graduação. Ficamos no aguardo, esperançosos, de sua aprovação.

A4: Seguindo sua experiência, o que não se aprende na faculdade que é fundamental na realização de um projeto de arquitetura?

Ricardo: Tudo aquilo que possa contribuir para o fomento de nosso conhecimento, da realidade das ruas à fantasia das artes, tudo é aprendizado e fundamental na realização de projetos, sejam de arquitetura, urbanismo ou paisagismo. Basta termos o olhar atento, e sem pré-conceitos, para aquilo que nos cerca. Até hoje me lembro de uma aula de Semiótica na faculdade, quando a professora insistia para que não perdêssemos o primeiro olhar, o olhar para alguma coisa como se fosse a primeira vez. Infelizmente, e sem perceber, o cotidiano nos leva a cometer tal erro. Devemos nos descolar dele e vivenciar tudo como se fosse a primeira vez, em busca de novas referências. Por exemplo, a mesma viagem de ônibus de Anápolis para Goiânia pode nos revelar, a cada dia, um novo pôr do sol, uma nova paisagem, uma nova idéia ou uma nova postura sobre determinada tarefa que estamos realizando. Saber captar as oportunidades que a vida nos oferece e colocá-las em prática é o que faz o arquiteto e urbanista ser um bom profissional.

A4: Como promover a participação dos alunos em projetos de pesquisa e extensão, algo que ocorre pouco no curso de Arquitetura?

Ricardo: Nosso corpo docente é composto por jovens professores. Algo positivo, se considerarmos a não presença dos vícios e disputas que acontecem regularmente em instituições renomadas. Porém, tudo tem seu preço. Não temos a tradição em realizar trabalhos de pesquisa e extensão. Somente o tempo nos dará isso. Ciente de estarmos no começo, vejo um futuro promissor. Atualmente, num momento particular de nosso Curso, inúmeros professores se afastaram para qualificação (mestrado, doutorado etc.). Visiono que, em breve, a dedicação deles para com a pesquisa e extensão, incluindo a participação de alunos, será inevitável. Só recentemente conseguimos ter nosso primeiro professor doutor no quadro de docentes efetivos (Profa. Márcia), além dos professores substitutos: Dr. Ademir e Pós-Doutora Ludmila. Sem a presença de doutores, os órgãos de fomento à pesquisa dificultam a abertura de grupos de pesquisa, estrutura primordial no processo de envolvimento de alunos na pesquisa científica (liberação de bolsa e compra de equipamentos, por exemplo). Há casos isolados em que professores desenvolvem, com a participação de alguns alunos, seu projeto de pesquisa. Ainda é pouco, e a mudança só se faz conjuntamente, com professores e alunos.

A4: Houve uma seleção de alunos que participariam do escritório modelo. Os nomes foram até divulgados. Esse projeto vai ter continuidade em sua gestão?

Ricardo: Soube do Escritório Modelo no fim do ano passado. Uma idéia interessantíssima e necessária para o fortalecimento de nosso Curso. Soube, inclusive, que bens materiais para seu funcionamento já foram adquiridos ou estão em processo de aquisição. Todavia, há dois obstáculos a serem transpostos. Primeiro, a elaboração das normas que irão reger o Escritório (cabe ao CA, juntamente com a participação de professores, a sua redação). Segundo, falta espaço físico disponível para sua instalação na UnUCET. Em reunião recente sobre o plano diretor do Campus, cobrei a necessidade de espaços para a criação do Laboratório de Conforto, de um pequeno auditório para exposição de filmes e documentários, de mais salas do tipo ateliê, bem como uma sala para o Escritório Modelo. Expus também que os projetos dos futuros prédios do Campus poderiam ficar sobre a responsabilidade de alunos e professores que fizessem parte do Escritório. Esta idéia foi bem acolhida por Coordenadores de Curso, pelo Diretor da Unidade e outros funcionários presentes; porém a UEG precisa ter apoio político para sua consolidação enquanto Instituição de Ensino Superior. Chega da política de “puchadinhos”, precisamos sim de reais condições físicas e de boa infraestrutura para estudar e poder produzir.

A4: Atualmente, uma reclamação só pode ser feita por meio do representante de sala. Por quê burocratizar o acesso do aluno ao coordenador, tornando a solução do problema mais morosa?

Ricardo: Esta medida foi pensada como a alternativa mais democrática, respeitosa e madura para solucionar problemas ocorridos em sala de aula. Já fui aluno; já passei por problemas com professores; já realizei greve estudantil com meus colegas, quando paramos as atividades do Curso para rever os modos de ensino (Pare e Pense); já conseguimos retirar professores etc. Mas tudo isso feito com maturidade e participação seja da turma ou de toda a faculdade. Se cada aluno sentir injustiçado e for procurar a coordenação para reclamar, aí que as coisas se tornarão realmente morosas.

Além disso, um aluno quando chega ao coordenador para fazer reclamação está excluindo da história a outra personagem principal da Universidade, o professor. Para mim, professor e aluno são os principais atores neste cenário de ensino, e cabe a ambos resolverem a situação. Por respeito e por direito quem manda em sala de aula é o professor. Qualquer problema que houver em sala de aula, os alunos daquele período deverão se reunir (discutir os fatos com imparcialidade) e tomar uma posição sobre o caso. A partir daí, deverão expor ao professor envolvido a posição (alternativa) da turma, pedindo a ele um posicionamento. Caso o problema persista, aí entrarei em cena. De modo algum quero dificultar o acesso do aluno à coordenação de curso, quero apenas que ele tenha responsabilidade e uma posição madura sobre seus atos.

A4: A Biologia, por meio do CA e do professor Ronaldo Angelini, conseguiu levantar verba externa para construção de um laboratório de Ecologia. Não seria possível realizar o mesmo na Arquitetura?

Ricardo: Lamento não estar a par deste processo. Não posso opinar sobre, sem saber os caminhos percorridos para tal conquista. Tenho conhecimento que os laboratórios, construídos adjacentes às dependências do prédio principal, foram erguidos a partir de financiamentos externo. Como já disse anteriormente, a criação de grupos de pesquisa abre várias portas, inclusive a de financiamentos. Fico à disposição do CA para tentarmos o mesmo para o Curso, se não for por grupos de pesquisa, que sejam por outros caminhos (patrocínio de uma grande construtora, quem sabe!).

A4: Professor, obrigado pela gentileza e disponibilidade.

Ricardo: Agradeço aos membros do jornal A4 pela oportunidade.

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